Ela tem a cor morena das noites escuras.
Seus olhos são duas estrelas belíssimas, mas de uma tristeza tão grande, que fazem os olhos e o coração
da gente ficarem tristes só de olhar.
Entrou de mansinho, sentou-se bem na pontinha da cadeira, tentando não fazer barulho. Parece que tinha medo de tudo. Da luz, das paredes, da cortina .
Parece que tinha medo inclusive de mim.
Olhava o tempo todo
para os lados, como se sentisse uma perseguição invisível.
- OI minha menina, tudo bem? O que houve com você?
Seu olhar se perdeu no meu. Olhava e não via, tentava falar, e o som não saía. Engolia seco, esfregava as mãozinhas muito pequenas e magras, uma na outra, remexendo na cadeira, dando-me a impressão de que em instantes, ia se levantar e correr.
-Estou com doença de rua, Começou há duas semanas, mas estava sem coragem de vir...
-E o que faz você pensar que tem doença de rua? –perguntei.
_Tenho um corrimento que cheira ruim e parece pus. Tô podre por dentro E arde quando tenho relação. Não sei como peguei isso porque só transo de camisinha.
-Mas não é só isso que incomoda você... Está com medo de que? –perguntei.
- Da voz. Da voz que não me larga.
-È o crack? –perguntei
- Crack e pinga. Achei que se entrasse na pinga saía do crack. Mas só fez piorar...
-Você já foi presa?
Já. Encostei num orelhão e ele caiu... Aí a policia veio e me levou porque eu estava destruindo o patrimônio público. Deu um murro e quebrou esse osso aqui! E eu nem vi que tinha derrubado o orelhão. Tava chapada demais. Mas que tinha quebrado o osso eu vi, depois que me levaram pro hospital, antes da cadeia. Lá eu consegui ficar sem a pedra, e até engordei.
-Há quanto tempo você pita?
- Há dois anos. Já entrei direto na pedra.
-Já roubou?
-Não. roubar nunca! Isso eu nunca vou fazer.
- e como arruma dinheiro pra sustentar seu vicio?
Eu trabalho na casa do Sr Antônio, um velho muito bom, que cuida de mim. O meu dinheiro ele não dá. Vai todinho pra minha tia que cuida do meu filho. Quando tinha quinze anos, fui estuprada pelo meu primo e embarriguei. Minha mãe me colocou pra fora de casa.
Foi aí que comecei a fazer programa. Mas não conseguia fazer sem a pedra. Eu tinha nojo sabe?
-E hoje, você ainda tem nojo?
Tenho, mas pra não pensar nos cara nojento que estão me usando, penso que cada programa dá uma pedra.
-Você faz programa pra comprar uma pedra? E quanto custa esta pedra?
– Custa R$ 10,00 Já teve um dia, que fiz programa por R$2,00 pra completar o dinheiro da pedra.
-E você não quer se tratar? Eu lhe arranjo uma internação, você se desintoxica, e quando voltar passa a ter o apoio dos NARCÓTICOS ANÔNIMOS.
-Quero não... Já tô perdida mesmo...Tem jeito não...A pedra é dona de mim...
Fiquei olhando aquele narizinho pequeno, aquela boquinha de lábios carnudos e sensuais, o quadril redondo, as pernas bem torneadas... sabendo que toda essa beleza seria rapidamente destruída pela droga.
Sabendo que dentro no máximo três anos (Se ela não fugisse á regra) ela teria perdido a vida numa briga, numa bala perdida, num acerto de contas com traficantes, ou mesmo numa overdose. Isso sem falar na sífilis, na tuberculose, na AIDS...
Neste final de ano, vale apenas refletirmos sobre as dádivas que recebemos de Deus, e o que podemos fazer para agradecer.
Essa menininha que tive vontade de colocar no colo poderia ser minha filha, minha neta, minha sobrinha...
E eu preciso fazer alguma coisa pelo meu próximo! Esta é a melhor forma de agradecer a Deus por tudo o que Ele me tem dado. Você também não quer tentar?
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ESTA MENINA PODERIA SER A SUA FILHA...