ERA UMA VEZ UMA MENININHA parte I
Era uma vez uma menininha muito linda. Ela não era tão menininha assim, porque já tinha 22 anos. Mas para mim que tinha por ela uma ternura muito grande, essa menininha tinha apenas a idade dos sonhos adolescentes.
Ela tem olhos negros grandes e amendoados. Narizinho sem ponta e bem pequeno. Lábios carnudos numa boca linda e sensual.
Hoje estava com os cabelos presos no alto da cabeça, o que
aumentava ainda mais seu jeito de menina.
Sempre que a vejo, com seu porte de rainha entrando na minha sala, me lembro de que muitos negros deste País são descendentes de reis africanos.
Prefiro contar um pouco da sua vida como se fosse apenas um conto triste que alguém inventou... Uma historia dessa, não devia ser real. Por isso prefiro dizer: Era uma vez..
Então; vamos lá!
Ela hoje entrou para contar que saíra da cadeia há dois dias.
-A senhora sabia que eu sumi, porque tava na cadeia? Pois é, desta vez me trancaram porque roubei o dinheiro de um velhinho. Cem Reais! Deu dez pedras. Mas os tira descobriram.
Fiquei lá um tempo e saí faz dois dias. Lá engordei e fiquei bonita de novo.
Lembra como eu tava feia da ultima vez que vim ver a senhora?
É que naquela época eu tava muito doida! Usando muita pedra. –concluiu.
Fiquei feliz ao vê-la, e pedi que ela contasse de novo porque estava nesta vida.
Ela já contou sua historia dezenas de vezes, mas parece que lhe faz bem ter alguém a quem contar. Alguém que sabe que ela não é bandida. É apenas uma doente, e tem uma doença muito grave: a drogadição.
Perguntei se desta vez ela concordava em ser internada, e ela olhando-me com aqueles olhos lindos e muito tristes, falou:
-Quero não... Já tô na pedra de novo. Hoje não pitei porque queria ver a senhora. Tava com vontade de conversar.Mas agora não vou roubar mais. Aprendi a fazer tapete com as minhas colegas de cela, e vou vender pra comprar as minhas pedras.
Insisti durante mais de meia hora, mas não adiantou.
Ela me pediu um remédio, e eu lhe respondi que o único remédio é a internação.
Quando nos despedimos, eu lhe dei um abraço apertado, olhei bem nos seus olhos e falei:- Todas as vezes que você pitar uma pedra, lembra que estou muito triste por você. Todas as vezes que você estiver limpa e quiser conversar, lembra que eu estou aqui pra conversar com você. E um dia, quando você entender que não dá mais, lembra que eu estou aqui pra lhe conseguir uma internação. E acima de tudo, não se esqueça nunca, do quanto eu gosto de você.
Ela encheu os olhinhos d´água e saiu. Provavelmente pra roubar mais e ter sempre mais e mais pedra...



Comentários
Fernanda Cassimiro
Texto maravilhoso! Parabéns! Não é segredo que sou realmente fã do seu trabalho, e sou apaixonada mais ainda pelo seu senso crítico e de responsabilidade social; não pensar somente em si próprio é raridade hoje em dia. Em relação à minha opinião sobre o trabalho acredito que é mesmo por ai.... trabalhar com histórias reais e exemplos "paupáveis" sobre essa triste realidade que infelizmente temos que comtemplar todos os dias em nossos consultórios.
Essas pessoas excluídas e marginalizadas com certeza encontram confiança, conforto e de certa forma um estímulo quando encontram esse acolhimento humanizado, desta forma abre espaço para possibilidade de transformação.
Parebéns por ser uma agente transformadora e não mera expectadora da realidade.
Abraços Enf. Fernanda
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